quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

 
 














Paulo Marques iniciou sua carreira de dança e teatro em 1980, desde então tem atuado como ator, bailarino, mestre de balé, coreógrafo, pesquisador em dança, curador, ensaiador e  diretor de movimento em importantes companhias de dança contemporânea, ocupações e espaços de dança no Rio de Janeiro como: Ballet Officina do Rio de Janeiro (Edmundo Carijó e Lourdes Braga); Sylvio Dufrayer Companhia de Dança; Marcio Cunha Dança Contemporânea; Márcia Rubin Companhia de Dança; Staccato Dança Contemporânea (Paulo Caldas); Ana Vitória Companhia de Dança; Companhia dos Atores Bailarinos (Regina Miranda); Lia Rodrigues Companhia de Danças; Esther Weitzman Companhia da Dança; Companhia do Ateliê coreográfico (Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro) ; Os Dois Cia. de Dança Contemporânea (Giselda Fernandes) ; Teatro XIRÊ (Andrea Elias) ; Cia. Étnica de Dança (Carmem Luz); Gisele Alvim espaço de dança; Base Dinâmica (Guilherme Veloso e Rafaela Amodeo); Angel Vianna Escola




Gisele Alvim Espaço de Dança
  

Terças e quintas de 14h30 as 16h30
Rua São Clemente, 409 Botafogo
Referência: Perto do Largo dos Leões
25262666/35922500

Paulo Marques: 994260864


Escultura de abetura: Donald Judd.
 

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

                                       
TEXTOS ESCOLHIDOS:DANÇA.ESTÉTICA.LITERATURA.
 
 
 
 
 
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Glaser: Você deixou claro que quer mesmo provocar alguma tipo de prazer real com seu trabalho, Frank. Mas o fato é que, nesse momento, a maioria das pessoas que se defronta com ele parece ter um certo problema neste sentido. Elas não desfrutam desse prazer que você parece estar apresentando a elas de forma bem simples. Em outras palavras, elas ainda ficam surpresas e confusas com a sua simplicidade. Isso é porque elas não estão estão preparadas para esses trabalhos, porque, mais uma vez, elas simplesmente não alcançaram o artista?

Stella: Talvez essa seja a qualidade da simplicidade. Quando [o famoso jogador de baseball americano] Mantle atira a bola para fora do campo, todo mundo fica sem fala durante um minuto porque é algo tão simples. Ele a atira bem longe, para fora dos limites do parque, e geralmente isso é o suficiente.
Questões para Stella e Judd
Escritos de artistas anos 60/70





 
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"Estou convencido de que, para apreender devidamente o impacto de Pollock, temos de ser acrobatas, constantemente dando saltos entre uma identificação com as mãos e o corpo que lançavam a tinta e ficavam "dentro" da tela e a submissão às marcas objetivas, permitindo a elas que nos confundam e nos tomem de assalto. Essa instabilidade se encontra realmente distante da ideia de uma pintura "completa". O artista, o espectador e o mundo exterior estão envolvidos aqui de modo permutável. (E, se lançarmos uma objeção quanto à dificuldade de uma compreensão completa, estamos pedindo muito pouco da arte)". Allan Kaprow / O legado de Jackson Pollock / Escritos de artistas (Gloria Ferreira e Cecilia Cotrim [orgs.] Anos 60/70
 
 


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O famoso Renascimento não é mais apenas o dos "mistérios pagãos", assim como a "sobrevivência dos deuses antigos" não seria apenas a do humanismo italiano. No fundo, a história da arte talvez só possa se declinar como uma história de efeitos perversos, isto é, dirigidos rumo a alguma coisa para se orientar rumo a outra coisa - maneira, portanto, de "se estranhar" sempre. Diante da Imagem / Georges Didi-Huberman

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"A palavra imagem é mal- afamada porque se acreditou irrefletidamente que o desenho era um decalque, uma cópia, uma segunda coisa, e a imagem mental um desenho desse gênero no nosso bricabraque privado. Mas se, de fato, ela não é nada disso, o desenho e o quadro não pertecem, como tampouco ela, ao em-si. Eles são o dentro do fora e o fora do dentro que a duplicidade do sentir possibilidade, e sem os quais nunca se compreenderá a quase presença e a visibilidade iminente que constituem todo o problema do imaginário."
M. Merleau-Ponty, L'oeil et L'esprit (1960), Paris, Gallimard, 1964, p.23

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Deixando de lado, portanto, a imagem de que se serve o orador, e que Aristóteles examina no terceiro livro da sua Retórica, falarei aqui apenas da que pertence aos pintores, isto é, àqueles que, por meio das cores ou de outra coisa visível, podem representar uma coisa que difere desta e que é conforme à primeira. Porque, assim como a segunda persuade com frequência por meio do olhar, também a primeira, por meio das palavras, põe em ação a vontade".
C. Ripa, Iconologia, op. cit. ( trad. cit., p. 805) / Diante da Imagem - Georges Didi- Huberman.

 

 

 
 
 
 
 
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Nós nos colocamos sempre em atitude estética diante de alguma coisa quando não somos obrigados a ter uma atitude instrumental. Isso não é uma poética, vem automaticamente, por um processo de vida. Como o prazer de caminhar: é um tudo, uma percepção da coisa, não é um fato sensual ou sensível, é uma experiência global que deriva de não deixarmos que nenhum destes momentos de vida se perca. Pela mesma razão, podemos gostar da dor, não de modo masoquista, mas porque podemos perceber o seu modo de ser. Há uma diferença entre sentir e o tomar pose, que é justamente o viver: só no primeiro caso, você recebe, é a vítima, o objeto. Para mim, atitude estética é quando vivemos através de uma coisa, quando a vivemos e não quando a recebemos somente. Esse tipo de esteticidade é, sob diversas formas, comum. Assim, não se trata de instaurar uma poética, mas de afastar todas as poéticas. O problema das poéticas é precisamente esse: não tornar evidentes os postulados, mas criar vínculos entre os processos. O erro está sempre no postulado: você pode ser incapaz de perceber o erro (sofistas, escolásticas etc.) e a argumentação desenrola-se perfeitamente, mas em um dado momento você se vê fora problema em questão. Veja, no entanto, Bacon, Descartes, Galileu, os renascentista em geral: eles afastam tudo, mesmo os postulados mais pacificamente aceitos. Veja os poetas das canções de gesta, que usam, indiferentemente, qualquer postulado: tem tudo. Veja Shakespeare, que ora diz uma coisa, ora o contrário; ora é burguês, ora é revolucionário: o que lhe interessa é o modo como se processam as coisas, não a coerência de um esquema (a poética). Luciano Fabro / Discursos. 1965



 
 


 
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O editor me escreveu que é a favor de evitar "a noção de que o artista é uma espécie de macaco que tem de ser explicado pelo crítico civilizado". Isso devia ser uma boa notícia tanto para os artistas quanto para os macacos. Com essa convicção, espero justificar sua confiança. Para dar continuidade a uma metáfora do beisebol (um artista queria rebater a bola para fora do parque, outro queria ficar livre na base e rebater a bola onde ela fosse arremessada), estou grato pela oportunidade de rebater eu mesmo.
Vou me referir ao tipo de arte em que estou envolvido como Arte Conceitual. Na arte Conceitual, a ideia de conceito é o aspecto mais importante da obra. Quando um artista usa uma forma de Arte Conceitual, isso significa que todo o planejamento e tomadas de decisões são feitos de antemão, e a execução é um assunto perfunctório. A ideia se torna a máquina que faz a arte. Esse tipo de arte não é teórico nem ilustra teorias; é intuitivo, está envolvido com todo tipo de processos mentais e é despropositado. Normalmente é livre da dependência da habilidade do artista como um artesão. O objetivo do artista que lida com arte conceitual é tornar seu trabalho mentalmente interessante para o espectador, e por isso ele normalmente quer que o trabalho fique emocionalmente seco. Entretanto, não há nenhuma razão para supor que o artista conceitual pretenda entediar o observador. Apenas a expectativa de um impacto emocional, com o qual uma pessoa está condicionada à arte expressionista está acostumada, impediria o observador de perceber essa arte.
A Arte conceitual não é necessariamente lógica. A lógica de uma peça em particular é um dispositivo que às vezes é usada só para ser destruído. A lógica pode ser usada para camuflar a verdadeira intenção do artista, para tranquilizar o observador com crença de que ele entende a obra, ou para inferir uma situação paradoxal (tal como lógico VERSUS ilógico). Ideias não precisam ser complexas. Muitas ideias bem-sucedidas são ridiculamente simples. têm a aparência de simplicidade porque parecem inevitáveis. Com relação à ideia, o artista é livre até para surpreender a si mesmo. Ideias são descobertas por intuição.
Não é muito importante com o que o trabalho de arte se parece. Ele precisa se parecer com alguma coisa se tem uma forma física. Seja qual for a forma que possua no final, ele deve começar com uma ideia. É com o processo de concepção e realização que o artista está envolvido. Uma vez que tenha recebido do artista a sua realidade física, o trabalho está aberto para a percepção de todos, inclusive a do artista. ( Uso a palavra " percepção" para designar a apreensão dos dados sensíveis, o entendimento objetivo da ideia e simultaneamente uma interpretação subjetiva de ambos.) o trabalho de arte só pode ser percebido depois de estar completo.

Sol Lewitt / parágrafos sobre Arte Conceitual 1967.
 
 

 
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"Mas, se voltarmos, por pouco que seja, às fontes respiratórias, plásticas, ativas de linguagem, se relacionarmos as palavras aos movimentos físicos que lhes deram origem, se o aspecto lógico e discursivo da palavra desaparecer sob seu aspecto físico e afetivo, isto é, se as palavras, em vez de serem consideradas apenas pelo que dizem gramaticalmente falando, forem ouvidas sob seu ângulo sonoro, forem percebidas como movimentos, [...] a linguagem da literatura se recomporá, se tornará viva". Antonin Artaud 1933




 
 
                                                                    Antonin Artaud

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A Obra Coreográfica: Venturas e desventuras

A dança contemporânea é obrigada, ainda hoje, a seguir uma via desviante e completamente diferente. Com efeito, o conceito de obra como um opus que encerra as marcas de um imaginário singular é há muito contestado (se não menosprezado) na tradição desta arte. É por isso que, antes de refletirmos sobre as transformações e os desenvolvimentos extraordinários da obra coreográfica, tão férteis no período da modernidade, é necessário seguir o caminho estreito e ligeiramente doloroso das limitações que lhe foram impostas. Atualmente, o conceito de obra confunde-se em demasia com o espetáculo, único valor de mercado proposto pela dança, sobre o qual o consumo cultural (já denunciado por Bartes) pode especular e, por isso submeter e empobrecer. Dado que a obra é muitas vezes equiparada à noção superficial e redutora de "espetáculo" (enquanto bem de consumo, não como reflexão sobre um acontecimento que, por definição, escaparia a qualquer apropriação), temos a tendência, por vezes abusiva, de previlegiar "a obra" como única "produção" do bailarino. Esta obra oferece um objeto concreto no qual o sistema cultural pode fixar a sua atenção (e, por isso, exercer o seu poder, em particular o seu poder avaliativo) a tal ponto que, para inúmeros observadores e atores da vida coreográfica, a liberdade, a respiração e mesmo uma parte significante da inventividade da dança existente à margem do mundo do espetáculo, num espaço anterior ou oculto, que se torna o verdadeira campo onde se formulam os grandes desafios. Nos anos 1980, assistimos na França a uma utilização exponencial do conceito de obra (numa metalinguagem flutuante, difícil de circunscrever e de identificar, pelo fato de não fundar referências nem uma teoria), associava a uma ideia não menos flutuante: a de "autor". Este processo coincidiu surpreendentemente com um momento em que a atividade autora do coreógrafo se reduzia ao agenciamento de ingredientes puramente espetaculares como um substituto do trabalho profundo que fazia de um criador da " grande modernidade" o inventor de um corpo, de uma técnica e de uma estética, reagrupando todos esses fatores numa linguagem coerente. Enquanto, por todo lado, se problematiza ou contestava há muito o conceito de autor , via-se, pelo contrário, a coreografia apropriar-se entusiasticamente desse conceito e elegê-lo como sua bandeira. Seria uma retoma do interessante conceito de "coreo-autor", desenvolvido e, sobretudo, reivindicado por Serge Lifar no seu "Manifeste du Chorégraphe" (1935)? Duvidamos; porque o bailarino contemporâneo francês extrai poucas referências da história da dança. Trata-se provavelmente da tardia integração na dança do conceito de "autor" desenvolvido no campo cinematográfico por André Bazin. Esta ideia opõe "o que o cineasta tem a dizer ao mundo" ao poder esmagador dos aspectos comerciais e industriais do cinema. Ora, não é certo que o conceito de autor, transposto para a coreografia, tenha libertado o criador de dança das pressões econômicas e ideológicas dos modos de produção (o mesmo papel que, em princípio, competiria ao cinema de autor na indústria cinematográfica). Pelo contrário, o conceito de "autor" coreógrafo sustenta uma certa mais-valia da assinatura coreográfica e, sobretudo, a de uma etiqueta que assinala (mais do que assina) a importância de um rótulo. Por este motivo, o nome do coreógrafo e a sua presença
justificam por si só o funcionamento de uma companhia. Neste contexto, aliás, muito mais sério, surgem a perturbação, as feridas, o luto e a ruptura na continuidade do trabalho do bailarino, a partir do momento em que (como sucede frequentemente) o coreógrafo desaparece. Não parece ser possível, como nas grandes companhias dos EUA, prosseguir um "trabalho" ligado ao corpo e à prática aquém de qualquer identificação nominal. Contudo, este julgamento deve ser revisto. A força do trabalho de luto na dança e pela dança pode transformar a perda em recurso. Dor e perda, envolvimento é recordação reúnem projetos e sonhos e reconstituem grupos de seres, aquém de qualquer quadro ou organização previsível, novamente envolvidos num eterno devir. Companhias como a de Régis Huvier ( conhecida como Arrache-Coeur) e, mais manifestadamente ainda, a de Dominique Bagouet (Les Carnets Bagouet) souberam demonstrar de forma inédita e inventiva que o "trabalho" sobrevive à presença civil do coreógrafo e que os corpos " marcados" por ele se encontravam ainda em funcionamento no espaço onde o seu olhar os havia reconhecido num envolvimento poético que a morte não dissipará. O bailarino é o único inventor do mecanismo que ele próprio põe em prática, como se transformasse a ordem do desaparecimento numa recrudescência de inspiração e de desejo. Porque o corpo do coreógrafo, mais do que o seu nome enquanto rótulo, que constitui o bailarino, do mesmo modo que o bailarino constrói a assinatura coreográfica a partir do seu próprio corpo. "Os que a morte precoce levou já não precisam de nós...Mas nós, que tanto necessitamos de tão poderosos segredos e para quem o abençoado progresso nasce tão frequentemente do luto, poderíamos existir sem eles? "
Poética da Dança Contemporânea/Laurence Louppe/Editora Orfeu Negro
 
 


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Corpo-A-Corpo com o Cenário
A história ensinou-nos que o primeiro elemento eliminado foi a decoração, no sentido tradicional da palavra. Pelo fato de o corpo ser o fundador do espaço, a dança de vanguarda recusou tudo o que instituísse previamente um espaço. É por isso que a modernidade na dança nunca se preocupou em atualizar a "decoração", mas em questionar o seu papel e necessidade. É este aspecto que insere Diaghilev numa certa tradição que, separando o pictórico do coreográfico, torna o corpo em movimento uma forma que se desloca sobre um "chão" que o ilustra. Embora Oskar Schlemmer considerasse os cenários de pintores contratados por Diaghilev "interessantes", e sedutores, acusa-os de não irem além de uma simples transposição do quadro em palco (sabemos que um dos objetivos da companhia Ballets Russes, pelo menos nos primeiros tempos, era a promoção artística dos pintores russos graças ao impacto das suas decorações). Os projetos de Loïe Fuller e de Isadora Duncan foram muito diferentes, uma vez que construíram o seu próprio universo visual em consonância com os recursos do movimento. Quando Duncan, como sabemos, contrariou as normas e até mesmo a definição da obra de dança, eliminando todas as convenções espetaculares. Uma cortina de veludo azul-escuro era o seu único fundo ou, melhor, ausência de fundo, como uma densidade noturna que trazia o corpo de volta ao mundo e não a sistemas de representação (dando ao movimento uma força de visibilidade que já não ilustra o pictórico, mas que o integra). Com o apoio teórico de Appia, Dalcroze impulsionou esta problemática: primeiro, recordando que o "ritmo vivo" não pode coabitar com um imaginário fixo; em seguida, opondo dois universos incompatíveis - um bidimensional (sobre tudo figurativo e clássico, caracterizado pela manutenção de uma profundidade representada) e a tridimensionalidade do movimento que transporta, deporta e transfigura planos, ainda assim produzindo e habitando volumes. " Os cenários atuais são inimigos diretos do ritmo real que o corpo humano executa nas três dimensões do espaço. "O novo bailarino, o bailarino "rítmico", exige um palco onde todos os elementos, incluindo a luz, cuja importância conhecemos em Appia, se movimentem e participem nas transformações do volume orgânico aberto pelo movimento. É sem dúvida a condenação da representação clássica, mas também a visão de um espaço " plástico" em devir: "Os cenários com duas dimensões reais e com uma profundidade fictícia encontram-se deslocados relativamente ao espaço da profundidade real. A luminosidade que segmenta as sombras  prejudica os valores reais da plástica e do movimento". Assim, em Hellerau, a luz torna-se um meio global, não uma fonte de efeitos dramáticos. Modula-se o espaço e o tempo. O ambiente cênico deve, por isso, ser uma parte responsável pela "profundidade real", a que é esculpida e se ancora nos próprios corpos em resposta ao espaço através do ritmo e da densidade - prefigurada no trabalho de Robert Rauschenberg para Merce Cunningham e no trabalho de Robert Wilson, no qual o palco pictórico se dissolve para reinventar alhures o horizonte do seu próprio surgimento. A partir daí, o contexto visual já não é contextual; faz parte do próprio projeto de escrita e manterá com o movimento dançado este aspecto dialético (nem ilustrativo, nem fusional) que funda e oferece as próprias chaves da escrita. E, tal como a iluminação, aproximará das propostas do movimento os trajes, a música, os "sentidos e os contra-sensos", como indica Susan Buirge.
        A "decoração" regressou frequentemente sob outros aspectos, em particular pela contaminação com o teatro e, talvez pela necessidade de fornecer indicadores e representações visuais quando o movimento por si só já não é suficiente. Tal sucede, muitas vezes infelizmente, com o objetivo de fazer " belas imagens", uma preocupação que marcou um certo fracasso da poética da dança nos anos 1980, quando esta cedeu a uma tentação esteticizante proveniente do teatro da época. Não é, contudo, assim que se devem julgar as cenografias fechadas e, naturalistas de Pina Bausch, sobretudo até 1989, cujo exemplo mais evidente é a decoração de Café Müller com as suas "separações", a que alude Daniel Dobbels: a "decoração" desempenha um papel de confinamento ou de obstáculo. Já não enquadra a dança, mas obstrui-a, e pela acumulação revela uma perda: cadeiras e mesas são armadilhas e zonas pantanosas de quem nem os seres nem o movimento se conseguem libertar. Intencionalmente ou não, o "retorno" da decoração na dança contemporânea desempenhará sempre mais ou menos o mesmo papel, podendo aliás assinalar uma capitulação, formula como tal por Trisha Brown, que consentiu, após quinze anos de trabalho experimental, retomar o teatro. Para si, a "teatralidade" constitui um quadro de representação que aprisiona a ação nas molduras do visível. É importante então que os artistas plásticos (Rauschenberg, Judd) a acompanhem nessas viagens, mantendo a distância necessária e sem se submeterem aos códigos do espetáculo ou às imagens banais. 
        Em todas estas experiências existe certamente uma magia visual, uma escolha ativa de produzir formas oníricas com força de êxtase estético, desde o brilho monocromático da combine painting de Rauschenberg, em Astral Converted (1991), às densidades de movimento coloridas de Judd (Newark, 1987). Esta última obra apresenta também um importante aspecto crítico, pelo menos no que concerne à cenografia: a observação das formas sublimes incita-nós a questionar o seu poder de fascínio. Além deste exemplo singular de resistência, a questão foi deslocada, senão exorcizada, habitualmente, a cenografia, incluindo o trabalho de grandes artistas plásticos, é constituída por objetos ou fragmentos espaciais. Está fora de questão reconstituir a afirmação de uma visibilidade fechada global. Ainda hoje, às experiências prosseguem e, felizmente, as relações entre dança e cenografia tendem a ser laboratórios visuais, mais do que projetos decorativos.
 
Poética da dança contemporânea/Laurence Louppe/editora Orfeu Negro
 
 
Café Müler - Pina Bausch 
 
 
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Nada é mais impressionante do que observar na imobilidade absoluta, alheio a toda a intervenção voluntária, o movimento profundo que persiste no nosso interior: a subida e a descida do diafragma como uma onda que dilata e contrai alternadamente a caixa tóracica. Se estivermos mais atentos e seguirmos o trajeto da respiração até ao ponto extremo dessa exalação, sentimos a irrigação de todo o tronco até à zona sacral, e, ao inspirarmos, a cabeça é invadida por uma lufada de ar fresco. De fato, todo o corpo é ventilado pela passagem contínua da respiração. A respiração revela apenas canais, uma vez que, ao respirar, tocamos em cavidades interiores e conhecemo-las por meio dessa experiência. O corpo que a respiração revela é uma abertura, não um bloco; encontra-se vazio, não preenchido. Muito além das sensações físicas, reenvia-nos para a geografia das paisagens do corpo, para um espaço que liga o exterior e o interior, um espaço global cujas conjugações de luzes o corpo apenas refracta: o corpo como passagem, como parede porosa entre dois estados do mundo, e não como massa opaca, plena e impenetrável. O corpo do bailarino, graças à respiração, torna-se esse corpo-filtro por onde as sensações se escoam e onde, pouco a pouco, se depositam fragmentos essencias de conhecimento.
Poética da dança contemporânea / Laurence Louppe /Respiração
 
                                                                             
                                                                                 Lisa Nilsson
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Hubert Godard lê na elaboração do tônus muscular ou postural o nascimento de toda uma ideologia ou política da dança. Primary Accumulation (1972), de Trisha Brown, remonta à época lendária do radicalismo americano dos anos 1969-1970, na qual as suas Accumulations fazem parte de um ciclo ( como a coreógrafa prefere designar as diferentes etapas da sua obra ) totalmente concomitante com os trabalhos mais marcantes das esculturas minimalistas de Carl André ou de Donald Judd - uma arte que prima pelo nivelamento dos extremos afetivos  e formais e na qual existe uma reduzida intervenção sobre a matéria e o sentido, um esvaziamento das tensões que repartem de forma hierarquizada as categorias e valores. Os processos são organizados com a finalidade de protejer a obra de uma recuperação excessiva pelos atributos geralmente identificados como artísticos: unidade, brilho, etc. De tais processos  fazem parte a repetição que banaliza o objeto, a neutralidade, a simplicidade, a pobreza dos dos materiais, a modéstia das escalas e o apaziguamento das percepções solicitadas.
 
Poética dança contemporânea/Laurence Louppe/a poética dos fluxos
 
 
 

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Mary Wigman
 
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A poética procura circunscrever o que, numa obra de arte, nos pode tocar, estimular a nossa sensibilidade e ressoar no imaginário, ou seja o conjunto das condutas criadoras que dão vida e sentindo à obra. O seu objetivo não é somente a observação do campo onde o sentir domina o conjunto das experiências, mas as próprias transformações desse campo. O seu objetivo, como o da própria arte, engloba simultaneamente o saber, o afetivo e a ação. Contudo, a poética tem uma missão ainda mais singular: ela não diz somente o que uma obra de arte nos faz, ela ensina-nos como o faz.
           Por outras palavras, revela-nos o caminho seguido pelo artista para chegar ao limiar onde o ato artístico se oferece à percepção, o ponto onde a nossa consciência a descobre e começa a vibrar com ela. Mas o trajeto da obra não termina aqui: transformar-se e enriquece-se através dos retornos e das ressonâncias, porque a poética inclui a percepção no seu próprio processo. Como teremos ocasião de repetir, ela quebra a dicotomia que opõe o ator e o receptor, ela desvectoriza (para usar a expressão de Gérard Genette) a visão tradicional da comunicação de sentido único, ou seja, perturba-a para a enriquecer, remetendo a obra de arte para o centro de um trabalhado partilhado.

Poética da Dança Contemporânea / Razões de uma poética / Laurence Louppe / Orfeu Negro
 
 Jean-Claude Gallotta
 
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O drama trágico é planejado de modo que o protagonista cresça mentalmente, emocional ou moralmente, segunda a exigência da ação, que ele mesmo iniciou, até a completa exaustão de seus poderes, o limite de seu desenvolvimento possível. Ele se desgasta no curso de uma ação dramática. Isto, evidentemente, é uma tremenda abreviação de vida; ao invés de sofrer ao longo do processo, físico e psíquico, multilateral, de uma biografia real, o herói trágico vive e amadurece em algum aspecto particular; todo seu ser está concentrado em um objetivo, uma paixão, um conflito e derrota derradeira. Por esta razão, o agente primordial da tragédia é heroico; seu caráter a situação que se desenrola, a cena, embora ostensivamente familiares e humildes, são, todos, exagerados, carregados com mais sentimento do que as realidades comparáveis; possuiriam. Essa intensificação é necessária para alcançar e manter a "forma em suspenso" que é ainda mais importante no drama trágico do que no cômico, porque a solução de uma comédia, não assinalando um término absoluto, precisa apenas restaurar um equilíbrio, mas o final trágico precisa recapitular toda a ação para ser o cumprimento visível de um destino que estava implícito no início. Esses recurso, que pode ser chamado de " exageração dramática", lembra a "exageração épica", e pode ter sido adotado de maneira inteiramente inconsciente com os temas épicos da tragédia antiga.

Sentimento e Forma / O Ritmo Trágico / Susanne K. Langer



Video VERA KARALLI 



                                                                 ANNA PAVLOVA
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 O treinamento artístico é, portanto, a educação do sentimento, da mesma maneira como nossa educação escolar normal em matérias factuais e habilidades lógicas, tais como o "cálculo" matemático ou a simples argumentação ( os princípios dificilmente chegam a ser explicados ), é a educação do pensamento. Poucas pessoas percebem que a verdadeira educação da emoção não é o "condicionamento" efetuado pela aprovação social, mas o contato tácito, pessoal, iluminador, com símbolos de sentimento. A educação da arte, portanto, é negligenciada, deixada ao acaso, ou considerada como um verniz cultural. Pessoas tão preocupadas com o esclarecimento científico de seus filhos que mantém Grimm fora da biblioteca e Papai Noel fora da chaminé, permitem que a arte das mais baratas, o pior do pior canto, a ficção sentimental mais revoltante sejam impingidos à mente das crianças o dia inteiro e todos os dias, durante a infância. Se as fileiras de jovens crescem em confusão e covardia emocional, os sociólogos procuram em condições econômicas ou relações familiares a causa dessa deplorável "fraqueza humana", mas não na influência ubíqua da arte corrupta, que mergulha a mente média em um sentimento raso que arruina quaisquer germes de sentimento verdadeiro que poderiam se desenvolver nele. Só um ocasional devoto das artes vê a devastação, como, por exemplo, Percy Buck, que observou, há quase trinta anos:

        Parece haver completa indiferença, pelo menos, na Inglaterra,...se o lado emocional de um homem é desenvolvido de alguma maneira, em geral. A única convicção que tem um inglês sobre a emoção é que se deve apreender, o mais cedo possível, a suprimi-la inteiramente.

      ...o que o exercício deve ser para o lado físico de nossas vidas, a religião para o estudo moral e o nosso lado intelectual, isso pode a arte ser, e nenhuma outra coisa exceto a arte, para o nosso lado emocional.

      E por fim:

        Todo planejamento e projeto, o que quer dizer toda estrutura, é a apresentação de sentimento em termos de entendimento.



A obra e o seu público / Susanne Langer

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A miséria é múltipla. A desgraça do mundo é multiforme. Cingindo o vasto horizonte como o arco-íris, suas colorações são tão variadas quanto as colorações do fenômeno - e também tão distintas, e contudo tão intimamente combinadas. Cingindo o vasto horizonte como arco-íris! Como pode ser que da beleza derivei um tipo de desencanto? - da aliança da paz um símile da tristeza? Mas assim como, em ética, o mal é consequência do bem, igualmente, com efeito, da alegria nasce a tristeza. Ou a lembrança de uma felicidade passada é a angústia do hoje, ou as agonias existentes têm sua origem nos êxtases que poderiam ter existido.
Berenice / Contos de Imaginação e Mistério / Edgar Allan Poe
   
                                                  
                                                                                   
                                  Harry Clark


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Essa ampla percepção, que devemos a nosso talento peculiarmente humano de expressão simbólica, está enraizada, entretanto, nos ritmos elementares que partilham com todos os outros organismos, e o Destino criado pela arte dramática traz a marca do processo orgânico - de função predeterminada, tendência, crescimento e conclusão. A abstração de tais formas vitais por meio da arte já foi considerada, com referências ao desenho primitivo. Em toda arte ela ė alcançada de modo diferente; mas penso que em cada uma isso se faz de modo igualmente sutil - não uma simples referência a casos naturais dessa forma, mas uma manipulação genuinamente abstrativa de seu reflexo sobre estruturas não-viventes ou mesmo não-físicas. Literalmente, "processo orgânico" é um conceito biológico; "vida", "crescimento", "desenvolvimento", "declínio", "morte"- todos esses são termos estritamente biológicos. São aplicáveis apenas a organismos. Na arte, eles são retirados de seu contexto, e, imediatamente, em lugar de processos orgânicos, temos formas dinâmicas: em vez de metabolismo, progressão rítmica, em vez de estímulo e resposta, complexidade, em vez de maturação, realização, em vez procriação, a repetição do todo em suas partes - aquilo que Henry James chama de "reflexão", e Heinrich Schenker, "diminuição", e Francis Fergussun, "analogia". E, em lugar de uma lei de desenvolvimento, tal como a estabelecida pela biologia, na arte temos o destino, o futuro implícito.
              A finalidade de abstrair-se formas vitais de suas exemplificações naturais é, evidentemente, torná-las disponíveis para uso artístico sem empecilhos. A ilusão de crescimento, por exemplo, pode ser produzida em qualquer meio, e de inúmeros modos: linhas que se alongam ou fluem, que não representam qualquer criatura viva; graus que se elevam ritmicamente, embora dividam ou diminuam; complexidade crescente de acordes musicais, ou repetições; uma dança centrífuga; versos poéticos de seriedade cada vez mais profunda; não há necessidade de "imitar" qualquer coisa literalmente viva a fim de transmitir a aparência de vida. As formas vitais podem ser refletidas em qualquer elementos de uma obra, com ou sem representação de coisas vivas.


Sentimento e forma/A Ilusão Dramática/Susanne K. Langer


 
                                        


                    Jackson Pollock

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Se entretanto, fizermos quanto à poesia as mesmas perguntas que levantei sobre as outras artes, as respostas demonstram ser exatamente paralelas àquelas referentes à pintura ou à música ou a dança. O poeta usa o discurso para criar uma ilusão, uma pura aparência, que é uma forma simbólica não-discursiva. O sentimento expresso por essa forma não é nem dele, nem de seu herói, nem nosso. É o significado do símbolo. Pode ser que levemos algum tempo para percebê-lo, mas o símbolo expressa-o a todo momento e, nesse sentido, o poema "existe" objetivamente sempre que nos é apresentado, em vez de passar a existir apenas quando alguém efetua "certas repostas integradas" ao que o poeta está dizendo.

As perguntas inicias, então, não são: "O que o poeta está tentando dizer, e o que pretende que nós sintamos a respeito?" Mas: "O que fez o poeta e como ele o fez?" Ele produziu uma ilusão, tão completa e imediata quanto a ilusão de espaço criada por alguns traços no papel, a dimensão de tempo em uma melodia, o jogo de poderes erigido pelo primeiro gesto de um bailarino.

Mas o que ele cria não é um arranjo de palavras, pois as palavras são apenas seus materiais, dos quais produz seus elementos poéticos. Os elementos são o que ele desloca e equilibra, espalha ou intensifica ou aumenta, a fim de compor um poema.

Sentimento e forma / Susanne Langer

  "Os campos são mais verdes no dizer-se do que na sua descrição"

Fernando Pessoa.

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A essência de toda composição _tonal ou atonal, vocal ou instrumental, mesmo puramente percussiva, se se quiser-é a semelhança de movimento orgânico, a ilusão de um todo indivisível. A organização vital é a estrutura de todo sentimento, porque o sentimento existe apenas em organismos vivos; e a lógica de todos os símbolos que podem expressar sentimento é a lógica dos processos orgânicos. O principio mais característico da atividade vital é o ritmo. Toda vida é rítmica; em circunstancias difíceis, seus ritmos podem tornar-se muito complexos, mas, quando eles são realmente perdidos, a vida não pode durar por muito tempo. Esse caráter rítmico do organismo permeia a música, porque a música é uma apresentação simbólica da mais alta resposta orgânica, a vida emocional dos seres humanos. Uma sucessão de emoções que não se relacionam umas com as outras não constitui uma "vida emocional", da mesma forma como um funcionamento descontinuo e independente de órgãos reunidos sob uma pele não seria uma "vida física". A grande tarefa da música é organizar nossa concepção de sentimento em mais do que simplesmente uma consciência ocasional de tempestade emocional, isto é, dar-nos uma introvisão no que pode ser verdadeiramente chamado de "vida de sentimento", ou unidade subjetiva de experiência; e ela faz isso pelo mesmo principio que organiza a existência física num projeto biológico - o ritmo. 

Sentimento e Forma.A Matriz Musical.Susanne K. Langer.Editora Perspectiva.1953.


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A expressão, a meu modo de ver. Não consiste na paixão refletida num rosto humano ou traída por um gesto violento. Todo o arranjo de minha pintura é expressivo. O lugar ocupado pelas figuras ou objetos, os espaços vazios em torno deles, as proporções - tudo desempenha um papel...
Uma obra de arte deve carregar em si mesma sua significação completa e impô-la ao espectador antes mesmo que ele possa identificar o tema. Quando vejo os afrescos de Giotto em Pádua não me dou ao trabalho de reconhecer que é a cena da vida de Cristo que tenho à minha frente, mas percebo instantaneamente o sentimento que se irradia deles e que está presente na composição em cada linha e cor. O título apenas servirá para confirmar minha impressão.
Henri Matisse


                          


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O seu interesse pelo movimento e pela força corporal está de alguma forma relacionado com o seu percurso pessoal?
O trabalho de qualquer pessoa está ligado à sua vida. Mas eu não quero ficar por aqui. A minha esperança é que trabalhando como trabalho possa colocar o bailarino (e isto está também ligado ao meu trabalho de estudante) numa situação em que fique dependente de si mesmo. Ele tem de ser aquilo que é. Ele tem algumas orientações ou regras, aquelas que precisam ser dadas. Ele encontra seu caminho. Isto tem a ver com a sua própria descoberta. Em minha opinião, um bom professor deve manter-se afastado. É por isso que, no trabalho das aulas, apesar de existirem alguns exercícios que são repetidos todos os dias, não se trata exatamente de repetições. Esses exercícios variam ligeira ou radicalmente. De cada vez, o bailarino tem de olhar de novo. A inventividade e a elasticidade de uma pessoa são postas em jogo. Não só as do corpo, mas as da pessoa como um todo . Não tem nada a ver com simplicidade ou complexidade. Quando se apresenta um exercício a um grupo de alunos, cada um deles tem pessoalmente de lidar com ele, mas também com todos os outros presentes na sala, para evitar, entre outras coisas, chocarem uns com os outros. É como o ioga. A mente tem de estar presente.

Merce Cunningham, "Choreography and The dance", in Stanley Rosner,Lawrence E. Abt (eds), The Creative Experience, Grossman, Nova Iorque, 1970. Reeditado in Cobbet Steinberg (ed), The Dance Anthology, A Plume Book of News Library, Inc., Nova Iorque, 1980, pp. 52-62

                             


VIDEO MERCE CUNNINGHAM BEACH BIRDS


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"A dança é o surgimento de uma presença (an appearance); se quiserem, uma aparição. Rompe daquilo que os bailarinos fazem, mas é qualquer coisa mais. Ao olharmos uma dança, não vemos o que está fisicamente à nossa frente - pessoas que dão voltas a correr ou contorcendo os corpos - aquilo que vemos é o desdobramento de forças que interagem, e graças às quais a dança parece elevar-se ser transportada, atraída, concluir-se ou diluir-se, quer se trate de um solo ou de um grupo, rodopiando como o final de uma dança dos derviches-bailarinos, ou decorrendo lenta, centrada, e única no seu movimento. Um corpo humano pôs o jogo inteiro dos seus poderes misteriosos diante de nós. Mas estes poderes, estas forças que parecem em ação na dança, não são forças físicas dos músculos do bailarino, as quais são de fato a causa de tais movimentos. As forças que julgamos perceber da maneira mais direta e convincente são criadas para a nossa percepção; e não existem senão para ela". (...) "O que existe unicamente para a percepção, e não desempenha qualquer papel comum e passivo na natureza, como os objetos fazem, é uma entidade virtual. Não é irreal: onde quer que sejamos confrontados com ela, percebemos-la realmente, não sonhamos ou imaginamos que a percebemos"

Langer, Susanne. "The dynamic image: some philosophical reflections on dance", SORREL, W. ( ed), op. cit., 341-2. 
                                          


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Ora, o objeto, o sujeito e o ato de ver jamais se detém no que é visível, tal como o faria um termo discernível e adequadamente nomeável (suscetível de uma "verificação" tautológica do gênero: " A Rendeira de Vermeer, nada mais, nada menos" - ou do gênero: " A Rendeira não é mais que uma superfície plana coberta de cores dispostas numa certa ordem"). O ato de ver não é o ato de uma máquina de perceber o real enquanto composto de evidências tautológicas. O ato de dar a ver não é o ato de dar evidências visíveis a pares de olhos que se apoderam unilateralmente do "dom visual" para satisfazer unilateralmente com ele. Dar a ver é sempre inquietar o ver, em seu ato, em seu sujeito. Ver é sempre uma operação de sujeito, portanto uma operação fendida, inquieta, agitada, aberta. Todo olhar traz consigo sua névoa, além das informações de que poderia num certo momento julgar-se o detentor. Essa cisão, a crença quer ignorá-la, ela que se inventa o mito de um olho perfeito ( perfeito na transcendência e no "retardamento" teleológico); a tautologia a ignora também, ela que se inventa um mito equivalente de perfeição ( uma perfeição inversa, imanente e imediata em seu fechamento). Donald Judd e Michael Fried sonharam ambos com um olho puro, um olho sem sujeito, sem ovas de peixe e sem sargaço ( isto é, sem ritmo e sem restos): contraversões, ingênuas em sua radicalidade, da ingenuidade surrealista ao sonhar com olho em estado selvagem.

Georges Didi-Huberman / O Que Vemos, O Que Nos Olha / Editora 34

Donald Judd - Artista minimalista americano.
Michael Fried - Crítico de arte e historiador.


                           

                                                                                Donald Judd
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Mutável em sua beleza, essa larga paisagem sempre preservou uma característica de humanidade e domesticação que fazia dela, pelo menos pra mim, a melhor das paisagens para viver. Dia a dia a pessoa viajava através de suas belezas diferentes; mas a viagem, como a Grande Travessia de nossos ancestrais, era sempre uma viagem através da civilização. Apesar de todas as suas montanhas, encostas íngremes e vales profundos, a paisagem toscana é dominada por seus habitantes. Eles cultivaram cada pedaço de terra que pôde ser cultivando; suas casas estão densamente espalhadas até mesmo sobre os morros, e os vales são populosos. Solitário no topo do morro, não se está sozinho no ermo. Os traços do homem estão sobre o campo, e já - sente-se isso com satisfação quando se contempla o campo - por séculos, por milhares de anos, tem sido dele, submisso, domado e humanizado. As vastas e vazias charnecas, as areias, as florestas de arvores inumeráveis - esses são lugares para uma visita ocasional, saudável ao espirito que se submete a eles por pouco tempo. Mas influencias diabólicas assim como divinas assombram estes eremitérios. A vida vegetativa de plantas e coisas é estranha e hostil à vida humana. Os homens não podem viver em paz a não ser onde tiveram dominado seu ambiente e onde seu numero supera as vidas vegetativas à sua volta. Despida de seus bosques negros, plantada cortada em terraços e cultivada quase até o topo das montanhas, a paisagem toscana é humanizada e segura. Às vezes cai sobre aqueles que vivem no meio dela uma ânsia por algum lugar que seja solitário, inumano, sem vida ou povoado apenas com formas de vida exótica. Mas a ânsia é logo satisfeita, e fica-se contente ao retornar à paisagem civilizada e submissa .

Contos Escolhidos/O jovem Arquimedes/Aldous Huxley


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"É interessante pensar o quanto somos reféns do hábito, ou seja, neste caso reféns de uma ideia de balé. Vislumbro e proponho o sujeito a se habitar, criar silêncio onde há ruído, responsabilizar-se, disponibilizar-se a atualizações urgentes como: deixar ceder, dialogar com os espaços, tencionar, " nuançar" forças, valorizar ou esvaziar determinado material; ações dentro das ações, relação propositiva do sujeito artista, criador do seu dançar, resumindo, dividir a responsabilidade do que nos é oferecido. Articular estratégias pessoais também é pensamento de dança e movimento. Reforçando que os interstícios do que é possível fazer com este material e trazê-lo como externalidade, é onde se localiza também a pesquisa em dança, como a do professor e do interprete."
 

Paulo Marques

                            





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"Ausgraben e Erinnern. - A língua explicita este fato: que a memória não é um instrumento que serviria ao reconhecimento do passado, mas que é o meio deste. Ela é o meio do vivido, assim como o solo é o meio no qual as cidades antigas jazem sepultadas. Aquele que busca aproximar-se de seu próprio passado sepultado deve se comportar como um homem que faz escavações. Antes de tudo, que ele não se assuste de voltar sempre ao mesmo e único teor de coisa - que o espalhe como se espalha terra, que o revire como se revira terra. Pois os teores de coisa são simples estratos que só revelam o propósito mesmo da escavação ao preço da pesquisa mais minuciosa. Imagens que se levantam, separadas de todos os laços antigos, como jóias nas câmaras despojadas de nossa inteligência tardia, como torsos na galeria do colecionador. Durante as escavações, certamente é útil proceder segundo planos; mas a pá prudente e tateante também é indispensável no solo escuro. E se engana completamente quem se contenta com o inventário de suas descobertas sem ser capaz de indicar, no solo atual, o lugar e a posição onde está conserva o antigo. Pois as verdadeiras lembranças não devem tanto explicar o passado quanto descrever precisamente o lugar onde pesquisador tomou posse dele. "

Georges Didi-Huberman / O que vemos, o que nos olha. 


Id.,"Denkbilder", Gesammelte Schriften, ed. R. Tiedemann e H. Schweppenhauser, IV -1, Frankfurt, Suhrkamp, 1972, pp. 400- 1, traduzido e comentado por C. Perret, Walter Benjamin sans destin, op. cit., pp. 76-80. 


Ausgraben/escavar


Erinnern/recordação

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Em Florença na casa Bonaroti, pode-se ver um torso, de Michelângelo . Como torso, o que se vê é um "pedaço" de homem, cravado pela barriga com um grande grampo de ferro a um suporte, a um pranchão de madeira, já todo roído, carcomido. A peça impressiona, de cara, pelo tosco, pelo rude - ali tudo é cru e bruto. Um torso em mármore - só um tronco, com membros superiores e inferiores cepados, restando cotocos, que são insinuações de membros. Também o coto ou cotoco de pescoço insinua e promete... Talvez uma cabeça... Essas extremidades truncadas guardam as cicatrizes das implacáveis mutações... Ou não houve amputação alguma, não foi preciso?! Essas cicatrizes são eloqüentes. O resto, que é tudo que há, é a pedra fazendo dobras, pulsando, latejando, abrindo poros, virando pele, mostrando a textura de tecidos, de fibras; a musculatura brotando e crescendo para a superfície. Vísceras são entrevistas. Tudo está vindo à tona e se recolhendo em resguardo, como que se revitalizando no profundo e no recôndito de si mesmo - da pedra.
É extraordinário a força de evidenciação, o poder de revelação de uma tal obra. Que extraordinário o fato de um torso, com o qual a gente subitamente se depara ali jogado, largado, abandonado - sim, uma "natureza morta" ! -, que extraordinário, pois, que um tal "pedaço" de vida, como que nada fazendo, nada dizendo, até mesmo nada sendo, pois parece que é "falta", "carência", "deficiência" - são cortes, amputações, truncamentos -, mas que extraordinário que esse "pedaço"faça, diga e seja tudo, uma vez que aponta para gênese, que dá indicação e aceno de proveniência e de direção de encaminhamento. Enfim, insinua todo um destino, promete toda destinação possível. Sim, porque um torso mostra o que a vida, o que toda realidade viva é: INSINUAÇÃO E PROMESSA . Só isso. Mas isso é tudo.

Gilvan Fogel / Conhecer é criar

 

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Cervantes, tal como Quixote e tal como cada um, "é filho de suas obras". Ambos são obras da ação de transcendência. Transcendência é a ordem, a natureza do interesse, da perspectiva - da abertura. Um acontecimento de nenhum lugar, isto é, uma irrupção subida ou desde nada, que é a abertura, que instaura a liberdade para a possibilidade de possibilidade - ou, se se quer, também: a liberdade de possibilidade para possibilidade. Existir, viver é a ação, a atividade, que é a liberação desse próprio, dessa identidade, a saber, a exposição, a auto-exposição desse poder-ser, que é a própria vida, a própria existência.

Conhecer é criar/ Gilvan Fogel.
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Sobre o belo ( Enéada 1, 6) Plotino ( 205 d.C.-270 d.C.)
Segundo meu parecer, da participação de uma idéia. Porque tudo o que naturalmente esta destinado a receber uma idéia e uma forma, se fica privado dela e não participa de sua idéia exemplar, é feia e fica fora do plano divino; nisso consiste a feiura absoluta. Assim resulta também feio o que não esta dominado por uma forma e um exemplo devido a ter a matéria recebido incompletamente a informação da idéia. Porque a idéia que se introduz nele é o que constitui ao ser múltiplo em sua unidade, fazendo-o coerente e lenvando-o a um acabamento harmônico pela totalização do equilíbrio de suas partes: sendo ela uma, tem-se de ser também informado por ela, no grau de unidade que é capaz de receber o múltiplo.




                                          


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As observações com que quebrava os seus longos, longos silêncios - observações sérias e cultas -, como eram pesadas, como eram sem graça e falhas de compreensão" ! Fazia bem em ser tão calada; o silencio está cheio de espirito e sabedoria em potência, assim como o mármore não trabalhado está cheio de grandes esculturas. Os silenciosos nunca depõem contra si mesmo.

Aldous Huxley / Contraponto

                                   

 
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Movimento total/O corpo e a dança/José Gil
 Capitulo: A consciência do corpo. A zona
..temos agora uma idéia do que significa mover-se (dançar) da maneira "mais inconsciente consciente possível": não intensificar os poderes da consciência de si, da própria imagem, do próprio corpo visto do interior como um objeto exposto, por um lado; e, por outro, não abolir esses poderes a ponto de deixar o corpo agir às cegas. A consciência de si deve deixar de ver o corpo do exterior, e tornar-se uma CONSCIÊNCIA DO CORPO. Trata-se daquilo a que os bailarinos anglo-saxônicos chamam de awareness.
          O paradoxo da awareness é que supõe um estado de enorme vigilância dos movimentos corporais, sem implicar a sua vigilância seca e superegóica a fim de os tornar "perfeitos".
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